quinta-feira, 3 de abril de 2008

Nº1

4. A hegemonia económica britânica

4.1. O predomínio de um Estado territorial

- Condições do sucesso inglês e vitalidade da cidade de
Londres. O arranque industrial.




- Bloqueio das indústrias europeias e norte-americanas;
controlo da produção e do comércio asiáticos.


INTRODUÇÃO AO TEMA


A segunda metade do século XVIII foi, para a Inglaterra, um período de intensa prosperidade económica. A agricultura, a indústria, o comércio e a banca registaram um desenvolvimento notável, senão mesmo revolucionário. Foram estes progressos, aliados às vitórias militares, que impuseram a hegemonia britânica sobre o Velho Continente e sobre o mundo colonial.

Os progressos agrícolas

Em 1700, a agricultura ocupava, pelo menos, quatro quintos da mão-de-obra disponível. Constituía por isso o sector-chave da economia, ao qual o Mercantilismo, ocupado com a indústria e o comércio, dera muito pouca atenção.
No decurso do século XVIII, uma nova teoria económica, o Fisiocratismo, pôs em relevo a importância da agricultura, considerando-a a base económica das nações. Esta nova corrente económica foi, em parte, influenciada pelos progressos notáveis que, neste domínio, se vinham registando em Inglaterra.
Foi no Norfolk, condado do Leste inglês, que um grupo de grandes proprietários pôs de parte tradições agrícolas seculares, iniciando um processo de renovação tão profundo que alguns historiadores viriam a qualificá-lo de “Revolução Agrícola”.
O principal problema a resolver era o do esgotamento dos solos. O cultivo intenso dos cereais, base da alimentação no regime demográfico tipo Antigo Regime, cansa a terra e, se os nutrientes não se renovam, as colheitas decrescem progressivamente. Daí a necessidade do pousio que deixava em descanso, cada ano, cerca de um terço do solo arável.
Para evitar o pousio e renovar a terra, a “nova agricultura” aperfeiçoou um sistema de rotação de culturas que alternava as colheitas dos cereais com as das plantas leguminosas, como os nabos (que azotam os solos), e as das plantas forrageiras (para a pecuária), como o trevo.
Tal prática não só proporcionava o aproveitamento integral da terra como permitia uma articulação perfeita entre a agricultura e a pecuária, aspecto deveras relevante, uma vez que, à falta de adubagem química, o estrume era, nesse tempo, o único fertilizante de uso corrente.
Com este novo sistema deixaram de fazer sentido os tradicionais direitos de pasto comunitário que obrigavam a deixar abertos todos os campos onde, após as colheitas, o gado da região pastava livremente. O campo aberto (open field) revelava-se, pelo contrário, altamente prejudicial à rentabilização da terra, pelo que os grandes proprietários desencadearam um processo de vedações (enclosures) das suas propriedades às quais anexaram, muitas vezes, baldios e outras terras comunitárias.
Na aparência um processo simples, vedar um campo constituía, na época, um desrespeito das normas há muito estabelecidas, pelo que só foi possível fazê-lo com a autorização do Parlamento inglês que, entre 1730 e 1820, homologou mais de 5000 processos de enclosures.



DOC.1 O SISTEMA DAS ENCLOSURES




DOC.2 OS GRANDES PROPRIETÁRIOS RURAIS E AS INOVAÇÕES AGRÍCOLAS


Embora tendo deparado com resistência por parte dos pequenos agricultores que, incapazes de acompanhar o dinamismo das grandes herdades, foram obrigados a vender os seus campos, as vedações constituíram um elemento essencial à modernização da agricultura inglesa. Nestes campos cercados seleccionaram-se as sementes, aperfeiçoaram-se as alfaias (novos tipos de arados e charruas; a primeira debulhadora de tracção equina que substitui a bovina), apuraram-se as raças animais.
Pierre Chaunu fala mesmo em “autênticos laboratórios de experimentação e inovação da agricultura”, suscitando entusiasmo e admiração dos contemporâneos, colocando a Inglaterra na vanguarda da agricultura europeia.
Com a renovação, o sector agrário viu a sua produtividade crescer, fazendo aumentar os recursos alimentares do país. Esta abundância não só permitiu a canalização de mão-de-obra para outros sectores económicos, como impulsionou um intenso crescimento demográfico, factor de pujança e riqueza económica.

O crescimento demográfico e a urbanização

O crescimento demográfico da segunda metade do século XVIII atingiu especialmente a Inglaterra. Estreitamente relacionado com a prosperidade do país, este fenómeno foi, simultaneamente, um resultado e um factor do desenvolvimento económico: a abundância e a criação de postos de trabalho fazem aumentar a taxa de nupcialidade e o número de nascimentos, enquanto a morte regride; por sua vez, o crescimento populacional estimula o consumo e fornece mão-de-obra jovem aos diversos sectores de actividade.
Na Grã-Bretanha, a economia e a população partilham pois o mesmo dinamismo e influenciam-se mutuamente.
Para além do crescimento demográfico, registou-se uma acentuada migração para os centros urbanos que absorveram toda a mão-de-obra excedentária dos campos. Entre 1750 e 1850, o número de habitantes das cidades triplicou. Assim, enquanto no resto da Europa a urbanização progride lentamente, na Inglaterra configura-se já a nova geografia humana que marca a era industrial. Centro nevrálgico de toda a vitalidade económica, Londres torna-se a maior cidade da Europa, atingindo, no fim do século XVIII, o milhão de habitantes. Em Londres concentra-se um décimo da população e um terço da capacidade aquisitiva dos ingleses. Nas palavras do historiador Fernand Braudel, “tudo lá vai dar; tudo de lá sai de novo; quer para o mercado interno, quer para fora”.
A capital, gigantesca, ofusca a vida económica do resto do país, por muito florescente que ela seja.





DOC.3 EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO NA GRÃ BRETANHA (1701-1821)

A criação de um mercado nacional

No século XVIII, pelo efeito conjugado do aumento demográfico e da urbanização, o mercado interno não cessou de se expandir. Ao crescente número de consumidores juntava-se, em Inglaterra, a inexistência de alfândegas internas que encarecessem as mercadorias e dificultassem o seu transporte, como era vulgar em França ou Alemanha. Criou-se assim um verdadeiro mercado nacional unificado, onde produtos e mão-de-obra podiam circular livremente.
Foi exactamente com o objectivo de diminuir os custos de circulação que a Inglaterra se empenhou, ainda no século XVIII, no melhoramento dos transportes. Tirando partido da boa rede hidrográfica que possuíam, os Ingleses construíram um complexo sistema de canais por onde se expediam, com vantagem, as mercadorias pesadas. Ampliaram a rede de estradas, introduzindo melhoramentos no piso que se tornou convexo e com valetas, sendo, posteriormente, macadamizado. O desenvolvimento das vias de circulação não só favoreceu a criação de um mercado nacional, como proporcionou a necessária ligação entre as regiões do interior e as cidades portuárias, articulando consumos e produções internas com o extenso mercado colonial inglês.

DOC.4 O ALARGAMENTO DOS MERCADOS INTERNOS; A IMPORTÂNCIA DAS REDES DE TRANSPORTES

O alargamento do mercado externo
Mau grado as políticas proteccionistas dos estados europeus, os produtos ingleses impunham-se no continente, quer pela sua excelente qualidade, quer pelo seu baixo preço. Mesmo a França não conseguia resistir-lhes: quando, em 1786, os dois países acordam a redução mútua de tarifas alfandegárias (Tratado de Éden), uma invasão de têxteis e ferragens ingleses invadiu os mercados franceses, provocando enormes protestos por parte dos fabricantes nacionais.
Era, porém, dos longínquos mercados transoceânicos que os ingleses retiravam maiores dividendos.
Mais de metade da frota britânica singrava em direcção às Américas, quer directamente, quer passando pela periferia africana, inscrevendo-se nas rotas do comércio triangular.
O triângulo comercial que ligava os três continentes fazia-se, no caso inglês, a partir dos portos de Liverpool, Londres, Bristol, Glasgow ou Hull, de onde os navios largavam carregados de armas de fogo, rum, tecidos grosseiros e quinquilharias, em direcção à costa de África. Aí, abasteciam-se de escravos, destinados às plantações e minas no continente americano. Na América, adquiriam as produções tropicais (açúcar, café, algodão, tabaco, etc) que revendiam na Europa.


DOC. 5 O COMÉRCIO TRIANGULAR INGLÊS NO ATLÂNTICO

No Oriente, quer as responsabilidades de conquista quer os direitos de comércio foram transferidos para a Companhia das Índias Orientais, que se mostrou à altura da sua missão.
Tendo-se apropriado de rotas e tráficos e estabelecido um domínio territorial consistente, a Companhia enchia os seus navios com as sedas, as especiarias, os corantes, o chá, as porcelanas e os panos de algodão indianos, muito apreciados na Europa pela sua finura e qualidade.
O domínio territorial britânico permitiu também o controlo de produções agrícolas (açúcar, pimenta, açafrão, índigo, seda, algodão) que os britânicos exploraram consoante as suas necessidades, impondo produções e taxas aos produtores asiáticos. Para além do lucrativo comércio Ásia-Europa, os ingleses imiscuíram-se nos circuitos de troca locais, o country-trade. Em finais do século XVIII, 85 a 90% das transacções externas da Índia estavam nas mãos da Companhia que, naturalmente, manipulava os preços a seu favor. Este protagonismo nos circuitos locais deu aos ingleses o primeiro lugar no porto de Cantão, o único espaço comercial que a fechada China proporcionava aos europeus. Aí adquiriam sedas, porcelanas e chá, que pagavam com tecidos e ópio indianos e com remessas de ouro e prata que, com esse fim, chegavam da metrópole.

Doc.6 O crescimento da cidade de Londres. A área a amarelo reflecte o crescimento da área metropolitana da capital britânica no século XVIII. Repara também nos portos, junto ao Tamisa, da Companhia das Índias Ocidentais e das Índias Orientais (canto inferior direito)

No Tamisa, os cais da East Indian Company apinhavam-se de produtos e os seus navios partiam e chegavam, num vaivém incessante. Nos finais do século XVIII, o Oriente tornara-se, na opinião pública, símbolo de abundância, luxo e poder.

O sistema financeiro

A superioridade inglesa assentava, também, num sistema financeiro avançado, facilitador do desenvolvimento económico.
Em Londres funcionava, desde o fim do século XVI, uma das primeiras bolsas de comércio da Europa, onde se centralizavam os grandes negócios da cidade. A Bolsa de Londres, criada como instituição privada, depressa foi reconhecida pelo Estado que lhe conferiu a condição de Royal Exchange. Nela se contratava a dívida pública (empréstimos a juros feitos ao Estado pelos particulares, subscritores de dívida) e se cotaram as primeiras acções da Companhia das Índias Orientais, Assim nasceu a bolsa de valores londrina, ainda hoje uma das mais importantes do mundo. A prosperidade da Companhia das Índias desenvolveu de tal forma o mercado accionista que, em 1691, apareceram os primeiros títulos de empresas industriais aos quais se juntaram, pouco depois, as acções do Banco de Inglaterra.
A actividade bolsista foi um importante factor de prosperidade económica, já que permitiu canalizar as poupanças particulares para o financiamento de empresas, alargando assim o mercado de capitais. Adquirir títulos do Estado ou acções de uma companhia passou a ser uma forma de aplicação do dinheiro que, gerando perspectivas de bons lucros, atrai, até hoje, numerosos investidores.
A operacionalidade do sistema financeiro foi reforçada em 1694, com a criação do Banco de Inglaterra. Este banco, que em grande parte seguia os moldes do célebre Banco de Amesterdão, estava especialmente vocacionado para realizar todas as operações necessárias ao grande comércio: aceitação de depósitos, transferências de conta a conta, desconto de letras e também financiamentos, sempre que era necessário, por exemplo equipar os navios do comércio colonial.
Além destas operações, o banco tinha ainda a capacidade de emitir notas, que circulavam como uma verdadeira moeda. Embora este papel moeda pudesse ser, em qualquer momento, convertido em ouro, o valor das notas em circulação ultrapassou largamente as reservas metálicas do banco, fornecendo assim os meios de pagamentos necessários ao incremento de pequenos negócios.

DOC.7 Relação entre as reservas de ouro e o total de moeda inglesa em circulação, no séc. XVIII

A florescente economia britânica era, por si mesma, a principal garantia para a força da libra esterlina.
A actividade do Banco de Inglaterra foi complementada pelas dezenas de pequenas instituições – os country banks – que, espalhadas pelo país, realizavam, em escala mais reduzida, o mesmo tipo de operações.Servindo de base à prosperidade do comércio e à gestão capitalista do sector agrícola, esta estrutura financeira constituiu também o ponto de apoio da maior de todas as mudanças económicas: a Revolução Industrial.

O bloqueio das indústrias europeias

Em relação ao dinamismo de Londres, como centro da economia-mundo no século XVIII, as restantes regiões europeias, periféricas e semi-periféricas, apresentavam características bastante distintas das observadas em solo britânico: rendimentos per capita e produtos nacionais inferiores; ausência de inovação tecnológica na agricultura; bloqueios à industrialização; arcaica organização bancária e financeira; défice comercial ou um superavit pouco consolidado.

Talvez a França fosse, à data, o único país a fazer frente ao poderio inglês mas, através de uma análise mais profunda, podemos considerar diferentes estádios de desenvolvimento económico. Para além disto, temos de considerar a diferença quanto aos regimes políticos vigentes (parlamentarismo em Inglaterra e monarquia absolutista em França) pois explica-se, nesta vertente, a ausência, ou não, de claros incentivos ao desenvolvimento socioeconómico. Se a França, no seu indíce de exportações, transaciona apenas 1/3 de produtos industriais, os ingleses já conseguem 2/3 de produtos industriais, mais baratos e de melhor qualidade. Após a viragem política em França, a partir de 1789, o agravamento e indefinição da conjuntura social, política e económica que predominaram naquele estado, apenas promoveu o fortalecimento da economia inglesa. No norte de Europa, apesar do proteccionismo vigente, os países exportavam cereais e matérias-primas e importavam artigos de luxo e demais produtos transformados. A leste, na Rússia, os arcaísmos agrícolas persistiam (regime senhorial). Na Alemanha, o cenário é semelhante: apenas o Estado da Prússia (só em meados do século XIX podemos ver o Império Alemão unificado) apresentava já condições para assumir o primeiro dos países semiperiféricos. No Mediterrâneo europeu, Portugal e Espanha mantinham-se essencialmente agrários e atrasados em termos das manufacturas (a persistência do Senhorialismo e da distribuição e exploração da terra tornava-se um enorme entrave). Do outro lado do Atlântico, as colónias inglesas absorviam a maior fatia da produção metropolitana inglesa. Para além do regime de exclusividade (que obrigava à realização dos tráficos comerciais das colónias através da metrópole), o crescimento demográfico nos territórios ingleses da América do Norte suscitavam o comércio. A partir de meados do século XVIII, antes da Guerra da Independência das colónias inglesas, os colonos desenvolveram um comércio directo, fintando as obrigações para com a Metrópole, com as Antilhas e a Europa mediterrânica. Este comércio estaria na base do desejo de emancipação colonial, levando à divergência com a Metrópole no último quartel do século XVIII.

Nenhum comentário: